quinta-feira, 21 de março de 2013

São Sepé

Na história do Brasil há uma epopéia muito triste e muito bonita ocorrida no Sul, na região das Missões jesuíticas. O filme "A Missão", com Robert De Niro e Jeremy Irons,  nos conta uma parte dessa história, mas termina com a guerra e não prossegue o relato do heroísmo e dor vividos por aquele povo. Trata-se da história de Sepé Tiaraju, também conhecido como São Sepé.
Se tivesse sido reconhecido pelo vaticano, esse seria realmente o primeiro santo legitimamente brasileiro. Sepé era um índio guarani. Li sua história, ainda criança, em um almanaque cujo nome não recordo. Mas a história ficou em minha memória, pois era uma saga daquelas de deixar boquiaberto e cheio de fantasias, um menino de dez anos, numa época em que nem havia televisão direito.
Sepé vivia em paz com sua gente, numa belíssima região de rios e quedas d'água,  em uma das Missões  jesuíticas, ou Reduções, que era como os jesuítas as chamavam. Os jesuítas eram catequistas que hoje seriam apedrejados em praça pública por quererem "violar a inocência" do bom selvagem e "adulterar-lhes a cultura". Mas na época os jesuítas eram progressistas. 
Enquanto os leigos, portugueses e espanhóis, só viam nos índios uma possível mão-de-obra escrava, os jesuítas defendiam-lhes a liberdade e trabalhavam para promover o desenvolvimento intelectual e cultural daqueles povos, ensinando-lhes... o catolicismo, claro, mas também a escrita, a aritmética, rudimentos de ciência, economia, música, ou seja, promoviam o ser humano para realizar-se em sua plenitude, o que é muito diferente de o deixar vagando pelos matos, picado de mosquitos, apanhando malária, morrendo ainda criança ou atingindo no máximo 30 anos e já encarquilhados como um velho de 90.
Fizeram esse trabalho com excelência nos Sete Povos das Missões. O problema é que estavam no caminho das duas potências imperialistas da época: Portugal e Espanha.
O Tratado de Madri reformulava a divisão das terras feitas pelo anterior Tratado das Tordesilhas. Ou seja, os poderosos se sentavam à mesa na Europa e dividiam o mundo entre si, sem perguntar nada a ninguém, como se fossem os donos incontestados da Terra.
Esse Tratado "devolveu" as terras onde estavam as missões a Portugal. A Espanha ganhou outras coisas em troca. Então foi requerido que os jesuítas e os guaranis deixassem a terra, perdendo inclusive 1 milhão de cabeças de gado que, na época, constituía o maior rebanho bovino das Américas! Eles se revoltaram e, juntamente com os jesuítas,  resolveram enfrentar os portugueses e os espanhóis à bala. Aí começa a epopéia que durou 6 anos.
Sepé Tiaraju era um destemido chefe tribal, educado pelos jesuítas,  que lutou com unhas e dentes, inspirando coragem e fé nos seus companheiros e teria dito aos colonizadores : "Esta terra tem dono!"
Morreu lutando, mas nesse momento nasceu uma lenda que ficou nas histórias dos pampas. Diz a lenda  que ele tinha uma marca, um sinal de nascença, na testa, que brilhava nas noites escuras, ou quando ele estava em combate. Naquela última batalha o sinal (também chamado "lunar")  brilhou mais forte e era um modo de ser reconhecido no calor e na poeira da luta. Mas esse sinal foi também a sua perdição. Era por ele que os inimigos procuravam. Sabiam que, morto Sepé, a resistência guarani acabaria. Quando finalmente o atingiram, ele foi arrebatado aos céus por S.Miguel e o sinal de sua testa passou a brilhar no céu, nas noites escuras do Rio Grande, tornando-se a constelação do Cruzeiro do Sul!

Com Sepé morreram os jesuítas da Missões e muitos sonhos. Pouco depois a Companhia de Jesus foi expulsa dos territórios portugueses, a começar pelo Brasil.
Agora, por ironia, a América do Sul propicia um jesuíta ao papado.

Notas:


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